terça-feira, 5 de junho de 2012

Linguagem secreta dos homens


Na linguagem secreta dos homens-leões e das mulheres-elefantes, as antigas sabedorias dos povos africanos vêm sendo contadas de boca em boca por sucessivas gerações, ensinadas como lições de vida ou cantadas em praça pública pelos griots (músico e poeta da África Ocidental, que conserva e transmite a memória oral). As histórias que constituem a literatura oral das diversas nações africanas, guardadas no imaginário dos homens e mulheres, percorrem as diferentes paisagens que formam o continente. São histórias de caçadores e agricultores, bruxas e feiticeiros, reis e princesas, de heróis que atravessam a mata para cumprir seus destinos, e de fundações míticas de cidades. São também histórias de pequenas ou grandes disputas entre marido e mulher, histórias de amor e de morte, lendas de comunhão com os segredos da natureza e da terra. Contos e lendas da África traz dezessete dessas histórias, acompanhadas de um mapa e um glossário de palavras africanas.  
NOZ-DE-COLA               
   Em toda a África Ocidental, os jovens, os velhos, os homens, as mulheres, todo mundo gosta de lambiscar noz de cola, uma frutinha muito por lá. Os velhos, especialmente, têm sempre uma, duas ou três no fundo do bolso...             
   De manhã, a gente o que tem de saber de manhã. De noite, a gente sabe o que tem de saber de noite. Quem cultiva a terra conhece a paciência.             
   Naquele dia, Noz de Cola cultivava o pedaço de terra que ele havia limpado. Preparava o solo para plantar inhame, afogando com sua daba. Não muito longe dali, havia uns gênios dos campos. Mal ouviram o barulho da daba revolvendo o solo, perguntaram:            
   - Quem está trabalhando este roçado?             
   Noz de cola respondeu:             
   - Sou eu! Desmatei, limpei e agora estou preparando a terra para plantar inhame.             
   Os gênios chamaram imediatamente seus filhos e foram ajudar Noz de Cola. Antes tinha terminado. Era meio-dia em ponto quando Noz de Cola, feliz da vida, voltou para a aldeia.             
   Depois, quando Noz de Cola foi plantar seu inhame, a mesma coisa aconteceu: os gênios dos campos e seus filhos vieram acudi-lo.             
   Depois, quando Noz de Cola votou à sua roça para capinar em torno dos pés de inhame, os gênios, que continuavam por lá, perguntaram:           
  - Quem está trabalhando este roçado?             
  - Sou eu, Noz de Cola, capinando em torno dos meus pés de inhame.             
  No mesmo instante, os gênios vieram ajudar Noz de Cola e capinaram rapidinho em torno dos inhames.          
   Agora Noz de Cola podia esperar o tempo passar até que chegasse a hora de colher seus inhames. Por isso, ele viajou ao sul e ao leste para visitar o povo da água e o povo da floresta, deixando a roça aos cuidados da sua mulher.          
   Um dia, quando ela vigiava a roça como filhinho nas costas e apanhava lenha, o menino começou a chorar. Para acalmá-lo, ela quis catar um pequeno inhame, um inhame miudinho que ainda não tinha tido tempo de crescer.           
   Quando desenterrava esse pequeno inhame para dar ao neném, os gênios dos campos perguntaram:            
   - Quem está cavando aí?             
    Ela respondeu:            
    - Sou eu, a mulher de Noz de Cola. Estou desenterrando um inhamezinho para acalmar meu bebê.        
     No mesmo instante, os gênios e seus filhos vieram ajudar a mulher de Noz de Cola e logo tiraram do chão todos os inhames miúdos, amontoando-os na beira do campo.         
    A mulher de Noz de Cola, ao ver aquele desastre, pôs-se a chorar. E ainda chorava quando Noz de Cola voltou da viagem. Ele perguntou:          
   - Está chorando por quê?            
 Ela explicou. Fulo da vida, ele lhe deu uma bofetada. Os gênios dos campos, que continuavam por lá, ouviram o barulho da bofetada e perguntaram:           
  - Quem está batendo assim?            
 - Sou eu, Noz de Cola, esbofeteando minha mulher.           
   No mesmo instante, os gênios e seus filhos vieram ajudar Noz de Cola. Eles bateram tanto, que mataram a mulher.             
   Noz de Cola nem precisou interrogar o cadáver para entender de que ela tinha morrido! Desatou a chorar. Foi então que um mosquito veio picá-lo no braço. Para defender-se, ele deu um tapa com toda a força no lugar da picada, mas sem acertar o inseto.         Os gênios dos campos, que continuavam pó lá, perguntaram:        
   - Quem está batendo assim?        
   - Sou eu, Noz de Cola, tentando matar um mosquito que veio me picar.      
     No mesmo instante, os gênios e seus filhos vieram ajudar Noz de Cola, desferindo-lhe uma saraivada de tapas.       
    Ainda bem que Noz de Cola era rápido na corrida. Conseguiu chegar à aldeia em disparada e refugiar-se no bolso de um velho. É por isso que, desde então, sempre tem uma noz de cola no bolso dos velhos.           
    OLIVEIRA, A. A criança na literatura tradicional angolana. Tese de doutoradoapresentada à Universidade Nova de Lisboa. Leiria: Ed. Magno, 2000.PINGUILLY, Y. Contos e lendas da África. São Paulo: Companhia das Letras,2005.REPÚBLICA DE ANGOLA. Angola: O futuro começa agora. Paris: Éditions Hervas,É assim que acaba meu conto.                                                              

Um comentário:

  1. Adorei a história e ela vale como uma leitura compartilhada a ser feita em sala com os nossos alunos.

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